quinta-feira, 15 de julho de 2010

Argentina dá exemplo com o casamento gay

Não adiantou o Monsenhor Bergoglio ter dito que "o demônio" estava por trás dessa iniciativa. O Senado argentino a aprovou por 33 votos a favor, 27 contra e 3 abstenções. Assim, a Argentina se tornou o primeiro país da América Latina a legalizar a boda de homossexuais. Eu me sinto orgulhoso: finalmente uma boa notícia daqui dos pampas.

Ontem, vendo o debate dos senadores madrugada afora, vi que a desinformação a respeito do assunto é grande mesmo entre os ilustres parlamentares. Muitos usam a expressão "escolha sexual", como se o sujeito "decidisse" ser gay às 4 da tarde de uma terça-feira. Hoje há evidências suficientes para afirmar que a orientação sexual tem um componente biológico. Tanto que a proporção de gays gira em torno de 2% a 5% no mundo todo, sem importar a cultura, a religião ou a opressão de países como o Irã e a Arábia Saudita.

Bergoglio e companhia queriam que a proposta do casamento gay fosse levada a plebiscito. É que eles sabem que a maioria da população rejeita a iniciativa. Mas os direitos fundamentais não são plebiscitáveis. A democracia é feita pela maioria, mas é posta à prova ao garantir os direitos das minorias. É disso que tratam os direitos humanos. Durante o nazismo, a maioria da população alemã apoiou as Leis de Nuremberg, que proibiam os judeus de ter relações sexuais com não-judeus e vice-versa. A maioria também não se importou com a matança deles e dos gays, ciganos e outros "indesejáveis". Sim, meu caro Bergoglio, a democracia deve proteger os direitos das minorias.

Bergoglio e companhia também acreditam que é possível “curar” gays. Mas ser gay não é doença, meu caro Monsenhor. É uma variação absolutamente natural do comportamento humano - e animal, diga-se.

Muitos opositores da lei aqui na Argentina têm medo de que filhos adotados por casais gays serão gays também. Minha gente, ser gay não é contagioso. Garanto que os gays que vocês conhecem são filhos de casais heteros. Além disso, o número de gays não é maior entre filhos criados por casais de homossexuais.

Abaixo eu listo algumas descobertas recentes sobre as origens da homossexualidade. Sei que muita gente vai ler tudo e concluir: “Ok, mas não acho que seja assim” (nossas opiniões sobre alguns assuntos são mesmo sedimentadas, não?). Mas se alguém estiver disposto a sair das trevas do Monsenhor Bergoglio, eu recomendo ler também uma matéria que fiz em 2006 e o livro “Born Gay”, de Qazi Rahman.


A resposta biológica

Em 1991, o neurocientista anglo-americano Simon LeVay, gay declarado, anunciou ter encontrado diferenças em cérebros de homens gays e héteros. LeVay examinou o hipotálamo, zona-chave da sexualidade no cérebro, e descobriu que a região chamada INAH-3 era entre 2 e 3 vezes menor nos gays. "Minhas pesquisas sugerem que algo acontece muito cedo na vida dessas pessoas, provavelmente na vida pré-natal", diz ele.

A pista genética

Veio em 1993 com Dean Hamer, do Instituto Nacional do Câncer, nos EUA. Hamer percebeu que dentro das famílias havia muito mais gays do lado materno. A descoberta atraiu sua atenção para o cromossomo X (mulheres têm dois cromossomos X, enquanto os homens têm um X e um Y). Em seguida, a descoberta: usando um escâner, Hamer viu que uma região do cromossomo X, a Xq28, era idêntica em muitos irmãos gays. O que ele descobriu não foi propriamente um único gene gay, mas uma tira de DNA transmitida por inteiro. A notícia provocou rebuliço, e não era para menos. Mesmo contestada por outros estudos, a conexão entre genes e orientação sexual sugere que as pessoas não escolhem ser homossexuais, mas nascem assim.

Pesquisas com gêmeos

Os pesquisadores americanos Michael Bailey, da Universidade Northwestern, e Richard Pillard, da Universidade de Boston, analisaram gêmeos e viram que, entre bivitelinos, se um deles é gay, o outro tem 22% de possibilidade de também ser. Para os univitelinos, a probabilidade sobe para 52%.

São números bastante superiores à taxa de homossexualidade entre a população (entre 2% e 5%). Bailey e Pillard, portanto, praticamente provam a existência de um componente genético para a homossexualidade. Ao mesmo tempo, praticamente provam, também, que os genes não dão conta de tudo. "Os estudos com gêmeos feitos até agora nos permitem uma estimativa de que até 40% da orientação sexual venha dos genes", diz o pesquisador Alan Sanders, da Universidade Northwestern, EUA.

Hormônios sexuais durante a gravidez

Se os genes não explicam tudo, que outros elementos explicariam? Um deles parece ser o desenvolvimento biológico do feto ainda no útero. E é dessa área que vêm saindo as pesquisas mais promissoras. Uma delas é a teoria dos hormônios pré-natais. A idéia é que os hormônios sexuais masculinos (andrógenos) se conectam às partes responsáveis pelos desejos sexuais no cérebro e influenciam seu crescimento, tornando o cérebro mais tipicamente masculino ou feminino. A conexão dependeria das proteínas receptoras de andrógenos (AR, na sigla em inglês).

Imagine que cada célula do cérebro seja uma casa. As ARs funcionariam como o portão dessas casas, que controla a entrada de pessoas. Sabe-se que a quantidade e a localização desses portões são diferente nos homens e nas mulheres. Cientistas já constataram, por exemplo, que o hipotálamo masculino tem mais ARs que o feminino. Essa teoria supõe que a homossexualidade nos homens é causada por "portões" que restringem a entrada de andrógenos nas regiões responsáveis pela sexualidade, formando um cérebro submasculinizado. Nas mulheres, esses portões facilitariam entradas maiores, construindo uma estrutura supermasculinizada. Tudo conseqüência do número de ARs de cada feto - o que talvez se deva à carga genética.

Vale lembrar que os hormônios importantes não são os que circulam no nosso sangue quando adultos - cujos níveis são iguais em homossexuais e héteros - mas os que atuaram no período de gestação.

O efeito dos irmãos mais velhos

O novo desafio dos pesquisadores é entender quais as origens de um fenômeno recém-descoberto: a existência de irmãos mais velhos parece afetar a sexualidade dos mais novos. É o chamado "efeito big brother". O cientista canadense Ray Blanchard acompanhou 7 mil pessoas e viu que a maioria dos gays nasce depois de irmãos homens e heterossexuais. Blanchard e o colega Anthony Bogaert calcularam que cada irmão mais velho aumenta em 33% a possibilidade de o menor ser gay. Um garoto com 3 irmãos mais velhos tem o dobro de possibilidade de ser gay que outro sem irmão mais velho. Um garoto com 4 irmãos mais velhos tem o triplo. Ter irmãs mais velhas não altera a probabilidade de o menino ser gay.

Para alguns, a explicação está na convivência familiar: depois de dar à luz vários homens, a mãe trataria o caçula como a menina que ela não teve. Os irmãos mais velhos também tenderiam a "dominar" o mais novo, influindo em seus sentimentos sobre si e os demais. Outra hipótese vem da biologia. "Os fetos masculinos talvez acionem uma reação imunológica na mãe ao produzirem substâncias que ameaçam seu equilíbrio hormonal", diz o cientista Qazi Rahman, da Universidade de East London. Segundo ele, o corpo da mãe acionaria um alarme para produção de anticorpos contra proteínas ou hormônios do bebê. Cada novo feto masculino intensifica a resposta, e o acúmulo de anticorpos redirecionaria a diferenciação tipicamente masculina para uma mais feminina, gerando orientação homossexual nos filhos seguintes.

A influência do ambiente

Como os outros pesquisadores, Rahman não nega que fatores ambientais possam entrar na equação. O problema é que ninguém sabe exatamente quais são eles. Não há provas, por exemplo, de que o abuso sexual na infância causa homossexualidade. O número de gays não é maior em lares chefiados por mulheres nem entre filhos criados por casais gays. Tampouco há mais casos de homossexualidade após períodos de guerra, quando os pais se ausentam de casa, o que enfraquece as hipóteses sobre dinâmicas familiares.

Sigmund Freud dizia que mães superprotetoras e pais ausentes poderiam levar o filho a ser gay. Mas Rahman tem uma opinião distinta: ao invés de encontrar a causa, Freud possivelmente enxergou a conseqüência. A superproteção da mãe não seria a origem da homossexualidade, mas um ato de defesa para um filho que é rejeitado pelo pai por se comportar, desde cedo, de maneira feminina.

Fatores biológicos + psicológicos + sociais

Embora a ciência esteja caminhando para a noção de que a homossexualidade é inata, a biologia não é completamente determinante. "Essa predisposição para a homossexualidade vai se manifestar ou não dependendo das experiências de vida da pessoa", diz a psiquiatra Carmita Abdo. Tudo indica que a homossexualidade é mesmo o resultado da interação de 3 fatores: biológicos, psicológicos e sociais, mesmo que esses dois últimos ainda precisem de mais evidências.

9 comentários:

  1. Concordo a 100% com o Eduardo. É um texto excelente. Obrigado!

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  2. Belo artigo, Dudu!
    Dedesto respostas simplistas para questões cuja equação, estamos vendo, é tão complexa.
    Congratulations!

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  3. Que texto bacana, dudu! A Argentina, com certeza, sai na frente dos demais países com essa decisão de vanguarda e de respeito à igualdade e aos direitos humanos. Quem agradece é a democracia! Abraços desde BH. Daniela

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  4. Obrigado, Richard, Frida e Daniela. É legal poder dizer que, pelo menos nesse tema, a Argentina acompanha países como Holanda, Bélgica e Canadá. abraço!

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  5. Gostei muito do seu artigo Eduardo e aprendi muitas coisas que desconhecia. Obrigada y Parabéns!
    Viviana

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  6. Olá, Viviana.
    Fico feliz que tenha servido. Já me realizou.
    Abraço!

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  7. Excelente tu artículo, como siempre das informaciones minuciosas y vas más a fondo que lo que vemos por ahí en los medios tradicionales, léase masivos. Es un placer leerte! Saludos de tu inverso: una argentina en Belo Horizonte! ;)

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  8. Hola Julieta,
    gracias, me alegro mucho!
    Saludos desde buenos!!

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  9. Dudu, amado, da tia!
    Quando do ocorrido dei VIVAS e mais VIVAS por aqui, em nome de muitos amigos, pacientes que aprendo diariamente...Em junho (29) de 2009 comecei a escrever sobre o tema lá no Divã... Deu muito IBOPE não rsrs Ou melhor, recebi alguns emails "agradecendo" a cada postagem que fazia. Tema, ainda, vivido com muita dor e sofrimento...Temos que evoluir muiiiiito. Mas o exemplo da Argentina bem que podia chegar por aqui rapidim!
    Beijuuss n.c.

    www.toforatodentro.blogspot.com

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