quarta-feira, 9 de junho de 2010

Liderança a qualquer preço?

Lula se apresenta como mediador de conflitos, mas o que faz é defender o lado "amigo". Nem que precise ficar calado ante graves violações de direitos humanos.


(Publicado no "Estado de Minas" em 30 de maio de 2010)


O Brasil tem desenvolvido uma política exterior claramente voltada à sua consolidação como um novo líder internacional. O que não está claro, contudo, são os aliados que vai escolher em sua ânsia por maior protagonismo. Estreitar laços com regimes inescrupulosos pode colocar em risco o projeto brasileiro de integração sul-americana e isolar o país no cenário internacional.


O exemplo mais recente desse duplo revés é o acordo nuclear com o Irã. Pelos termos firmados, Teerã se comprometeria a enviar à Turquia 1200 kg de urânio enriquecido a 3,5% em troca de 120 kg de urânio enriquecido a 20% – destinados a pesquisas médicas. O acordo foi celebrado como “uma vitória” pela diplomacia do presidente Lula, mas recebido com ceticismo pela comunidade internacional. Dos 15 membros do Conselho de Segurança da ONU, apenas 3 foram contrários a novas sanções contra o Irã: Brasil, Turquia (co-patrocinador do acordo) e Líbano, onde a milícia pró-iraniana Hezbolá participa do governo.


Até mesmo Rússia e China, tradicionais sócios de Teerã, se alinharam com a posição ocidental por temor de que o regime dos aiatolás esteja ocultando a intenção de fabricar armas atômicas. Seria ingênuo pensar que o Irã não continuará investindo em seu projeto nuclear, iniciado antes da Revolução Islâmica de 1979. O próprio governo iraniano anunciou, após o acordo, que continuará enriquecendo urânio.


Atentado à AMIA


A iniciativa do Brasil também gerou mal-estar em seu principal parceiro estratégico na América do Sul, a Argentina. A Justiça do país vizinho acusa o Irã de ordenar, financiar e planejar o atentado terrorista contra a sede da AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), em 1994, que deixou 85 mortos e centenas de feridos. Segundo a Suprema Corte argentina, o ataque foi executado pela Jihad Islâmica, braço armado do Hezbolá.


A pedido de Buenos Aires, a Interpol mantém ordem de captura internacional para oito ex-funcionários iranianos, entre eles o ex-presidente Ali Hafsanjani. O Irã se recusa a extraditá-los. Lula ignorou os reiterados apelos do vizinho ao apertar a mão do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad – um líder que nega a existência de homossexuais em seu país do mesmo jeito que nega o Holocausto.


UNASUL: outra instituição de papel?


O Brasil é o grande patrocinador da UNASUL (União Sul-Americana de Nações), que reúne 12 países e aspira a promover a confiança e a estabilidade na região. É nesse marco institucional que o Brasil pretende criar o Conselho Sul-Americano de Defesa. Mas a UNASUL corre o risco de virar mais uma instituição de papel ante as atitudes de seu principal fomentador.


De fato, o Brasil tem sido no mínimo ambíguo com relação ao conflito armado entre o governo colombiano e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Na crise de 2008 entre Colômbia, Equador e Venezuela – a mais grave da região desde o conflito entre Peru e Equador, em 1995 –, Lula se apresentou como mediador mas terminou condenando o presidente colombiano, Álvaro Uribe. Isso ajuda a explicar por que a Colômbia hesita em participar de um aparato de defesa comum.


O Brasil também se postulou para mediar a crise em Honduras, mas o que fez foi apoiar um dos lados da contenda. Como diz o cientista político José Augusto Guilhon de Albuquerque, sua prioridade do país ao intervir no exterior não tem sido preservar a democracia e a ordem constitucional, mas defender os “amigos”.


Nem que para isso precise reduzir os protestos pela liberdade no Irã a uma briga entre flamenguistas e vascaínos. Ou que se mantenha calado – como o Itamaraty costuma fazer – ante graves violações de direitos humanos em países como Sudão (que perpetra um genocídio na região de Darfur), China, Líbia e Cuba. Lula inclusive condenou a greve de fome de presos políticos cubanos, comparando-os a bandidos comuns brasileiros.


Agora, o presidente brasileiro ambiciona solucionar o conflito israelense-palestino. Como se, para selar a paz, bastasse sentar com os dois lados e tomar um café – ou uma cerveja – juntos.

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